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Discurso do Prof. Benjamim Bley na cerimônia de Professor Emérito

DISCURSO – TÍTULO DE PROFESSOR EMÉRITO

Por: Prof. Dr. Benjamim Bley de Brito Neves

Eu deveria e poderia reverter esta homenagem que recebo aos 81 anos de idade, depois de passar 58 no IGc-USP, com muita facilidade para essa instituição memorável, que foi o fio condutor privilegiado de tudo que pesquisei. Mas aqui estou recebendo os parabéns.

Pelo que aqui aprendi e tive oportunidades de aprender, a mensagem é o inverso, o agradecimento está do outro lado da cerca. Obrigado digo eu, à SUDENE, à federal de Pernambuco, ao Instituto de Geociêncas da UFP. O começo fora um sonho de Juscelino Kubitscheck e devo dizer porque com objetividade. Não seria justo e reconhecido se não discriminasse e apontasse estas fontes de saber, suporte e aprendizado;

Preciso o fazer e ser breve:

Esto brevis et placebis.

Esta era uma mensagem cravada no telefone do Colégio Estadual da Prata, em Campina Grande, mensagem esta que jamais esqueci, e que tentarei seguir neste discurso;

Sou filho de Campina Grande-PB e meus pais respectivamente de Serra Branca (nC) e Monteiro (nos Sertões). Minha tenda de argila foi escupida com a lama do intemperismo dos migmatitos e gnaisses de uma faixa toniana, que eu tive a felicidade de perscrutar e nomear – O Terreno Alto Pajeú.

Ao terminar o curso científico, com 21 anos, tinha que decidir para onde ir. Em Campina Grande só havia cursos de Engenharia Civil e Ciências Contábeis. Decidi então por Geologia, em Recife, em razão de uma tal de bolsa da CAGE e também por ser uma carreira nova (criada também por Juscelino). Um querido professor meu me chegou de lado e disse: “Bley não faça isto, se você fizer geologia e não se der bem na Petrobrás, para onde você vai??? Não há empregos para geólogos”.

E mais, fui para Petrobrás, e não fiquei lá por um problema de saúde. Então fui para Recife e procurei a SUDENE para trabalhar com águas subterrâneas. Eu que jamais tinha visto uma perfuratriz, recebi 4 CRAELIUS (suecas) para locar poços para a semana seguinte. E não perdi o emprego. Fiquei 10 anos na SUDENE, apaixonado por Hidrogeologia do Pré-Cambriano e por Geologia Regional Pré-Cambriana brasileira. Neste interim, comecei também a ensinar no Curso de Geologia de Recife (da CAGE-UFPE).

Em 1972, tive que fazer pós-graduação, obrigação e exigência para os professores das federais com título de adjunto. Encontrei chances para ir ao Canadá, à Alemanha e a São Paulo. A minha mulher (e eu) optou por São Paulo. Eu conheci São Paulo numa viagem de estagiário da Petrobrás, com 20 anos. De Campina Grande para Ponta Grossa com parada de um dia em São Paulo. Foi o bastante: jurei que nunca, jamais, moraria nesta cidade!!! Açulado por Setembrino Petri, não foi difícil, e logo logo estaria morando com os operários de Osasco e sendo aluno da pós-graduação da USP.

Ao terminar o doutorado, em 1975, fui convidado para ficar e fiz inclusive um concurso de entrada na USP. Nem mesmo os esforços de Celso Barros, Umberto Cordani e Setembrino Petri foram o bastante. O reitor da UFPE me cobrava o tempo que passara aqui, e eu voltei para o Recife.

Em 1992, recebi convite mais ou menos especial para voltar e para me engajar no grupo que estava preparando o Congresso Internacional de Geologia (de 1990), inclusive preparando um futuro livro de Geologia do Brasil.

Fui ao reitor de Recife com carta de Cordani, prometendo participação no Congresso e no livro, e o reitor acedeu. Vim para São Paulo com salário da UFPE. Fui além, passei a ensinar na graduação e na pós-graduação aqui na USP.

Quando vi as possibilidades de São Paulo, da USP, da FAPESP, do CNPQ, do USGS etc. tracei um programa para mim de conhecer as principais áreas geológicas pré-cambrianas do mundo. E assim o fiz gradativamente. Todas aquelas áreas clássicas com que eu sonhara, e que com elas namorara por anos, passaram a ser visitadas em todos os continentes (quando comecei, eram 6 continentes, hoje são 8). Os greenstone belts do Canadá e da África, as faixas móveis proterozoicas da Índia, África, Austrália, Europa Central etc. Na Índia, os registros vulcânicos clássicos e os remanescentes de Gondwana. Os diamictitos do Paleoproterozoico, visitei no Canadá… Passo a passo, passei a dar as minhas aulas com um pouco mais do que vi em campo do que com aquilo que eu lera alhures.

Procurei visitar com carinho os terrenos tectono-estratigráficos e as faixas móveis proterozoicas (intracontinentais, cuja existência no Brasil fui um dos defensores). Não foi fácil, mas foi possível, houve incentivadores sempre. Cordani, Almeida, Koji, Setembrino e muitos outros altruístas nunca deixaram de me encarecer e animar.

Deixo três livros com co-autores (dois no Brasil, um na Inglaterra). Deixo um léxico de Geotectônica, deixo cerca de 200 publicações em revistas indexadas. Deixo oito livros com poesias e crônicas, refrigério do campo e do amor às geociências (e às geocientistas).

No final dos anos 90, recebi do Governo Federal o galardão / classificação de da Ordem Nacional do Mérito Científico do então presidente e conterrâneo Luis Inácio. Na USP subi todos os degraus de Professor Livre Docente, Adjunto Visitante, Titular, e Honoris causa.

Deixo um rastro indescritível de amigos e colaboradores de todos os tempos e matizes. Aqui estão muitos exemplos dessas amizades marcadoras da vida. Agradeço também a todos os funcionários do IGc-USP em tudo o que colaboraram comigo ao longo dessa história.

E porque não falar nos que partiram e nos deixaram saudades e marcas de caráter indizível: Aldo Rebouças, André Davino, Reinaldo Ellert, Rocha Campos, Murilo, Armando Coimbra, Valarelli, Sergio Amaral, Franco Levi, Faustino Penalva, Adilson Carvalho, McReath, Moacir Coutinho e tantos outros. De todos recebi lições imorredouras de amizade e convívio, e assim costumo curti-los na lembrança, sempre, sempre.

Alguns permanecem vindo ao IGc, de vez em quando, e se escondem nos nichos vazios do 2º andar. Ouço, algumas vezes o sorriso irônico de Franco Levi, sussurrando que finalmente eu entrei na Mafia, depois de relutar tanto.

Agradeço a generosa votação dos colegas da Congregação que me concederam este título de “Professor Emérito” que estou recebendo hoje e que me emocionou bastante.

Reiterando o Esto brevis et placebis, termino aqui.