Homenagem

Homenagem à Umberto Cordani

No dia 02 de dezembro de 2021 o Instituto de Geociências, por meio da Comissão de Cultura e Extensão, prestou uma grande homenagem ao Professor Emérito Umberto Giuseppe Cordani, o evento em homenagem ao lançamento do livro“Geocronologia e evolução tectônica do Continente Sul-Americano: a contribuição de Umberto Giuseppe Cordani” que ocorreu em 2020 e que por conta da pandemia de Covid-19 não havia tido ainda um evento oficial de lançamento no IGc/USP.

A obra, organizada por Andrea Bartorelli, Wilson Teixeira e Benjamim Bley de Brito Neves conta com mais de 100 autores e traz uma perspectiva história e futura sobre a Geocronologia, por meio da história pessoal e acadêmico-científica do Prof. Cordani.

O Evento teve a seguinte programação:

14h00 – 14h10 – Abertura – Caetano Juliani e Mensagem da Sociedade Brasileira de Geologia
14h10 – 14h30 – Apresentação do livro – Andrea Bartorelli
14h30 – 14h50 – O orógeno Araçuaí à luz da Geocronologia: um tributo a Umberto Cordani – Antônio Carlos Pedrosa Soares
14h50 – 15h10 – Trajetória geocronológica do Prof. Cordani na África e a colaboração científica com Moçambique – Rômulo Machado
15h10 – 15h30 – Terrenos policíclicos da Província Mantiqueira: da superposição de orogêneses aos modelos atuais – Miguel Tupinambá
15h30 – 16h00 – Apresentação do Prof. Umberto Cordani

Reproduzimos abaixo a fala final do Prof. Cordani no evento:

Caro sr. diretor, Caetano, caros colegas, estudantes
Sinto-me honrado. Considero um enorme privilégio, estando em vida, poder ver e desfrutar dessa obra a meu respeito, com um aspecto excelente, com um conteúdo de grande competência, e vários relatos que tratam de minha vida acadêmica. Começo com um grande agradecimento aos organizadores Andrea Bartorelli, Wilson Teixeira e Benjamim Bley e muito especialmente aos cerca de 100 autores dos capítulos do livro. Nunca poderia pensar que tanta gente escreveria algo a respeito de minha passagem por este mundo. Minha vida está no livro.
Como está dito na apresentação, tudo começou em duas viagens de avião, em maio de 2018, ida e volta para Manaus, em que estivemos lado a lado, durante oito horas, Andrea e eu. Já em São Paulo, mandei para o Andrea a mensagem que foi transcrita no livro, e pedi um encontro, que foi seguido por vários outros. Andrea contatou Wilson e Bley, duas pessoas que muito conheciam a meu respeito, para que lhes fossem parceiros. Numa reunião, eu disse que não me envolveria na organização, e que gostaria que o livro não fosse elogioso, laudatório, e na medida do possível pudesse ter um caráter científico e original, como está. Em agosto de 2019 o livro estava pronto.
Até os 18 anos não sabia o que era Geologia, mas daí em diante toda a minha vida foi geológica. Cito Ortega y Gasset, um renomado filósofo espanhol: “Eu sou eu e minhas circunstâncias”. No livro, na entrevista c/Marta Mantovani, aparecem as 3 circunstâncias, inesperadas, que foram fundamentais e deram o rumo de minha vida.
1 – Como achei a Geologia? – Ia ser engenheiro, como meu pai. Entretanto, fiquei excedente no vestibular que fiz para a POLI. Não entrei. A circunstância a que me refiro foi que Juscelino havia decidido implantar cursos de Geologia no país, para acelerar a busca de riquezas minerais. A USP era uma das universidades escolhidas., e o primeiro vestibular para isso, em 1957, estava defasado de alguns meses. Sem saber o que era geologia, decidi fazer. Entrei. Gostei de Geologia e nela permaneço até hoje. Primeira circunstância.
2 – Como achei a geocronologia? Ainda como estudante, em 1960, recebi um convite do catedrático do Departamento, Viktor Leinz, que aceitei. Três anos mais tarde, esse departamento receberia um laboratório de geocronologia, doado pela Universidade da California. A USP tinha que enviar uma pessoa para Berkeley, e o professor Leinz me escolheu. Isso está contado na entrevista com a Marta e também no depoimento do professor John Reynolds. Nunca mais saí da geocronologia. Segunda circunstância
3 – E a terceira circunstância? John Reynolds permaneceu na USP durante seu ano sabático de 1964, e se esforçou para formar uma parceria da USP com o MIT para fazer uma teste geocronológico à respeito da deriva dos continentes. O artigo resultante, que confirmou a união de Brasil e África antes do aparecimento do Atlântico, foi publicado na revista Science em 1967, e foi fundamental para que minha vida científica fosse imediatamente alçada para a esfera internacional. No livro, isso consta da entrevista da Marta e do depoimento de John Reynolds.
As três circunstâncias, que ocorreram de maneira inesperada, visto que nenhuma delas tinha sido planejada e nem pensada, foram decisivas para orientar o meu futuro. Ao mesmo tempo, creio que minhas atitudes pessoais ajudaram, no sentido que sempre foram as de buscar aperfeiçoamento e colaborações positivas, bem como, quando possível, aceitar as responsabilidades que me eram oferecidas.
Tomarei o “meu” livro, que não escrevi, como base para a minha apresentação, aproveitando o que nele foi incluído pelos muitos coautores dos capítulos. Vejamos.
Meu vínculo com a USP já tem 64 anos. Do tempo de estudante, na Alameda Glette, e com a bolsa da CAGE que desfrutávamos, o livro traz os depoimentos carinhosos e até certo ponto saudosos dos colegas Celso, Vicente, Adolpho, Scarpelli, Kanji e Fernão. Para mim é muito difícil aceitar que os sempre amigos Kanji e Fernão já não estejam entre nós. Como docente, sempre dei aula. O livro tem um capítulo generoso a respeito disso, escrito pelo Paulo Boggiani.
Fiz carreira docente completa no Instituto de Geociências da USP. Doutorado em 1968, livre docência em 1973 e titular em 1980. Fui Pesquisador Chefe do CPGeo, Chefe de Departamento, Vice-Diretor e Diretor do instituto. Em 2010 fui agraciado com o título de Professor Emérito, como está no livro, que reproduziu o discurso proferido pela colega Sonia. No livro, os reitores Goldemberg e Marcovitch falam algo de minha contribuição parra a gestão da universidade, e o colega Celso fala sobre nossa colaboração de oito anos, invertendo as posições de diretor e vice do Instituto de Geociências entre 1983 e 1991.
A pesquisa geocronológica é a parte fundamental do “meu” livro, o qual, lembro, não foi escrito por mim. Agradeço muito a todos os autores, e especialmente os comentários que os três organizadores fazem em sua apresentação, bem como as palavras de Simone, Maria Helena e Colombo em seus prefácios. Minha vida geocronológica começou em Berkeley, 1963. São 58 anos. Na USP foram desenvolvidos quase todos os métodos existentes para análises geocronológicas. Nas últimas 3 décadas, estive várias vezes na Austrália e na China, trabalhando com o SHRIMP. Colombo, em seu prefácio, e Kei Sato em seu capítulo, falam a respeito de meus esforços, que felizmente foram bem sucedidos, para conseguir um SHRIMP para o CPGeo.
A história técnica do CPGeo encontra-se no livro, no capítulo escrito pelos colegas Koji Kawashita e Enio Soliani. Foi muito penosa a perda de meu grande companheiro Koji, maior responsável pela evolução técnica do CPGeo,
Graças às excelentes revisões completas, com partes originais importantes, a Geologia do Brasil está no livro. Fernando Alkmim e Simone no Cráton do São Francisco, Bley na Borborema, Fuck no Centro-Oeste, Marlei no Transbrasiliano, Milani e Peter nas bacias sedimentares, Mario Campos e colegas na Faixa Brasilia, Valdecir e Sylvio nos granitos paulistas, Evandro e colegas nos basaltos, Celso nas rochas alcalinas e Miguel Basei e colegas no Dom Feliciano.
Escolhi apenas dois casos especiais para comentar.
1 – No primeiro falo sobre o Cráton Amazônico, que é tratado em seis capítulos no livro. Entre os autores estão Colombo, Wilson e Jorge, da USP, Moacir e Lafon, da UFPa, e Lúcia, Lêda, e os Marcelos Vasquez e Almeida da CPRM. O Projeto RADAM, no início dos anos 1970, procurou o CPGeo para que fossem feitas datações de apoio aos mapeamentos que estariam em andamento nos anos seguintes. O projeto pagaria pelas análises. Fiz uma contra-proposta. Como havia recursos da própria USP, do CNPq e da FAPESP, para o funcionamento dos projetos, sugeri que, ao invés de pagar análises, o RADAM contratasse alguns geólogos para se responsabilizar pelas datações em São Paulo. Assim foi. O RADAM contratou Miguel Basei, Wilson Teixeira e Colombo Tassinari, que durante vários anos trabalharam na região amazônica, coletaram e dataram amostras. Os resultados foram além de qualquer expectativa. Os três fizeram seus mestrados, foram contratados sucessivamente pelo Instituto de Geociências, e aqui permanecem até hoje, colocando seus melhores esforços pela duradoura estabilidade do CPGeo. Além disso, as datações feitas para o RADAM serviram para realizar uma compilação completa e estabelecer, pela primeira vez, um modelo tectônico mobilista para o Cráton Amazônico. Os autores foram Cordani, Kawashita, Basei, Teixeira e Tassinari. Eu apresentei isso durante o Congresso Chileno de 1979, e esse paper é um dos mais citados em nosso currículo.
2 – O segundo comentário é sobre minha relação com Jacques Delhal, a Bélgica e a África, no final dos anos 1960. Em 1966 recebemos a visita de Jacques, geólogo do Musée Royale de l’Afrique Centrale, que havia trabalhado por muitos anos no Congo. No livro, Miguel Tupinambá e seus colegas da UFRJ falam sobre isso. Agradeço ao Miguel, pela excelente apresentação efetuada à distância. Jacques, Celso Gomes e eu programamos uma série de excursões para coletar amostras adequadas na região oriental brasileira, para um projeto conjunto entre a USP e a Université Libre de Bruxelles, que tinha um excelente laboratório de análises pelo método Rb-Sr. Escolhemos de início a região da Serra dos Órgãos, ao longo do rio Paraíba do Sul. Com datações K-Ar na USP e datações Rb-Sr em Bruxelas, foram publicados três trabalhos entre 1968 e 1973, sobre orogêneses superpostas. A estreita relação com Jacques Delhal me permitiu realizar uma estada de cinco meses em Bruxelas, em 1971, em que pude aprender a trabalhar com o método Rb-Sr e efetuar muitas análises que serviram para minha tese de Livre Docência.
Qual era o assunto dessa tese? Na colagem Brasil-África que resultou da parceria MIT-USP tinha aparecido uma série de datações que indicavam uma possível correlação entre áreas da Bahia e do Gabon. Aprofundei isso com datações numa grande região no leste brasileiro, entre Salvador e Vitória. Várias viagens de campo foram realizadas, datações K-Ar foram realizadas na USP, e datações Rb-Sr foram realizadas durante minha estada em Bruxelas. No capítulo do livro escrito pelo colega Pedrosa e seus coautores foi incluída uma figura dessa Livre Docência, que mostra os dois principais resultados da tese: a correlação geotectônica chamada “Ponte Bahia-Gabon” e a caracterização do “Falhamento de Itapebi”. Agradeço muito ao Pedrosa que fez agora uma apresentação excelente com as atualizações que foram feitas e foram publicadas em seu capítulo do livro.
Quanto à minha inserção internacional, tópicos de deriva continental haviam despertado meu interesse desde o tempo de estudante, e isto se acentuou com os resultados da correlação Brasil-África, tanto do projeto MIT-USP como da minha tese de Livre Docência. Como um dos autores do artigo publicado na Science, recebi um convite da National Academy of Sciences para passar um mês nos USA dando conferências em diversas universidades, em 1968. Tinha 30 anos. Minha atividade internacional começou e não parou mais. Logo em seguida, a convite de Tuzo Wilson, apresentei em 1969, no Symposium on Continental Drift no Uruguay, os resultados de minha tese de Doutorado. Essa viagem para Montevideo me custou alguns dissabores na USP, como conta o colega Boggiani em seu capítulo.
Durante 20 anos tive uma relação estreita com a União Internacional de Ciências Geológicas – a IUGS. Fui Vice-Presidente, eleito em 1984, e Presidente da união a partir de 1987. O livro reproduz o discurso proferido por mim, na abertura do congresso de Washington. Estive presente em quase todos os Congressos Geológicos Internacionais a partir de Sydney, 1976. Paris, Moscou, Washington, Kyoto, Beijing, Rio de Janeiro, Firenze, Oslo e o último, Cape Town 2016. 40 anos de congressos internacionais. Fiz o possível para que o congresso do ano 2000 pudesse ser na América do Sul, o que deu certo. O capítulo do livro escrito em italiano pelos colegas Vai, Cavazza e Boriani, mostra minha atividade nesses eventos todos.
Presidi o congresso do Rio de Janeiro no ano 2000. Mais de 4000 delegados, dos quais 1400 eram brasileiros. A meu ver, esse evento foi um divisor de águas para a inserção internacional dos geólogos brasileiros. Depois do ano 2000, tanto a participação em eventos internacionais como na publicação de trabalhos científicos, cresceu muito no mundo a presença da nossa comunidade geológica.
Em muitas viagens que fiz para a Europa Ocidental, USA e Austrália, meus objetivos eram os de aprender metodologias e produzir resultados. Por outro lado, meus projetos sempre foram dirigidos para a América do Sul ou a África. A respeito do continente sul-americano, desde o início do CPGeo, ainda durante o ano sabático do Prof. Reynolds, e sob a sua direção, foram efetuados vários contatos com instituições sul-americanas, e tivemos em São Paulo várias pessoas do Chile, Argentina e Colômbia. Isto continua até hoje. Em 1972 fui convidado para dar um curso de geocronologia na Universidade do Chile. Fui muito bem recebido pelos geólogos chilenos, me interessei pela geologia dos Andes e passei a participar de congressos e reuniões científicas andinas. Numa delas, em 1974, me pediram para organizar e liderar um programa internacional a respeito da evolução magmática dos Andes. Isso resultou no Projeto 120 do Programa de Correlações Geológicas, da UNESCO, que durou 10 anos, e teve um enorme sucesso científico, como está no livro, no capítulo escrito pelo colega Victor Ramos. Como reporta Victor, possivelmente o principal legado do Projeto 120 foi o estabelecimento de uma rede de cooperação entre os diversos países andinos, que continua até hoje. Durante o projeto fiz trabalhos de campo, fiz muitas datações, publiquei vários artigos sempre em coautoria, e dei cursos intensivos de geocronologia em Buenos Aires, Medellin, Guayaquil, Caracas, La Paz e Antofagasta. No livro, além do relato do Victor Ramos, há outros três capítulos. Um dos colegas chilenos Pancho Hervé, Mauricio Calderon e Francisco Munizaga, grande amigo que infelizmente já não se encontra entre nós. Os outros dois são de colegas colombianos, Jorge Restrepo, Mauricio Ibañez e Cesar Vinasco.
No início deste século, outra iniciativa importante apareceu, o mapa tectônico da América do Sul. Como eu mesmo conto no livro, Victor Ramos e eu fomos convidados pela Comissão da Carta Geológica do Mundo para coordenar o projeto, que levou 12 anos para que o resultado pudesse ser apresentado no congresso geológico de Cape Town, em 2016. Muitas dezenas de geólogos foram consultados pelo Victor, responsável pela tectônica andina, e por mim, a cargo da “plataforma sul-americana”. Vários dos que aqui se encontram colaboraram para o mapa. Ademais, há um capítulo do livro, dos colegas Oiti, Schobbenhaus, e Lêda Fraga, que conta todo o desenvolvimento do trabalho técnico pela CPRM e pelo SEGEMAR da Argentina. Eu fico feliz quando vejo esse mapa numa das paredes de nosso instituto, todas as vezes que saio do elevador no primeiro andar.
Com relação à África, meu interesse continua desde o artigo da Science e o trabalho efetuado em minha Livre Docência, com a ponte Bahia-Gabon. Lembro dos geólogos portugueses Antero Ferreira da Silva e Joaquim Torquato, que estiveram no CPGeo com rochas de Angola. Mais recentemente, com recursos da FAPESP, aqui estiveram o geólogo Jean Pierre de Camarões e Papa Malick, de Senegal. Ambos, no livro, colocaram relatos atualizados a respeito da geologia de suas respectivas regiões.
Por outro lado, o projeto africano mais denso, que produziu dissertações e teses, além de artigos científicos relevantes, foi com geólogos de Moçambique, que produziram no livro um excelente artigo de revisão. Os colegas Rômulo e Ruy Philipp também comentam os resultados desse programa, tal como o próprio Rômulo apresentou há pouco. Estive três vezes em Moçambique, fui orientador do Mestrado e do Doutorado da Fatima Chaúque, na USP, com bolsa do CNPq, e organizei a estada em São Paulo do Daud Jamal, com recursos da FAPESP.
Como epílogo, volto à entrevista dada ao Andrea, no livro, em que falei das origens italianas, da vinda ao Brasil e da família. Minha esposa Lisbeth, sempre a meu lado, meus filhos Marina e Renato, os quatro netos e os demais familiares me ajudaram todo o tempo a manter a estabilidade necessária para o desenvolvimento do percurso. Termino como comecei. Considero um enorme privilégio, estando em vida, poder ver e desfrutar dessa obra a meu respeito, um livro belíssimo, com muitos artigos sobre minha vida acadêmica. Agradeço demais aos grandes amigos e organizadores Andrea Bartorelli, Wilson Teixeira e Benjamim Bley de Brito Neves, sem esquecer os muitos autores que contribuíram para o conteúdo do livro, e a todos vocês que estão comigo aqui, agora. Agradecimento especial ao meu Instituto de Geociências, pela organização deste evento.
Muito obrigado.

Umberto Giuseppe Cordani, 02 de dezembro de 2021.